Fake News: a máquina de destruir vidas (da qual você é cúmplice)

Uma pessoa, por diversos motivos, resolve criar uma notícia sobre outra.

Em alguns minutos, cria um perfil falso, desenvolve o material e encaminha para alguns contatos.

Você recebe um vídeo, uma notícia, uma montagem no celular. Sem checar, repassa no grupo da família e no outro dos amigos. Alguns deles, por sua vez, repassam para outras pessoas. Mas, então, chega a você que aquilo era montagem, que não era verdade. E você está tão ocupado com suas coisas que não se importa em enviar para os mesmos contatos a nova e verdadeira informação.

É assim que nasce, cresce e se prolifera a fake News. A antiga fofoca, que morria nos ouvidos de pessoas inteligentes, segundo o ditado, tomou proporções incalculáveis com o advento da internet.

Números

Uma pesquisa feita em 2018 pelo instituto Ipsos, em 27 países, revelou que o Brasil é o campeão mundial em acreditar e propagar notícias falsas. Cerca de 62% dos entrevistados no Brasil admitiram, já ter acreditado em notícia falsa até descobrir que não se tratava de verdade. Muito acima da média mundial de 48%. 85% dos brasileiros se disseram preocupados em saber o que é real e o que é falso no mundo digital, segundo o “Digital News Report 2019”, do Instituto Reuters.

Segundo dados da mesma pesquisa, 53% dos respondentes dizem usar o Whattsapp como fonte de notícias, número bem superior se comparado a países como Reino Unido (9%), Austrália (6%), Canadá (4%) e Estados Unidos (4%). 58% dos usuários do aplicativo no país fazem parte de grupos com desconhecidos. Ou seja, recebem informações de pessoas que nunca viram ou tem qualquer referência.

Um estudo realizado com indivíduos de 17 países indica que as pessoas costumam prestar mais atenção em notícias negativas, e o Brasil é um dos países em que há evidências mais claras desse comportamento. As informações foram divulgadas em Setembro pela BBC Brasil.

O serviço criado pelo Ministério da Saúde para esclarecer boatos e notícias falsas da internet completou um ano em agosto com 11,5 mil resoluções das 12,2 mil dúvidas sobre 104 diferentes notícias falsas (fake news).

Vidas

Empregos perdidos, falências, negociações canceladas... são algumas das consequências das fofocas virtuais. Não temos como mensurar o número de pessoas que já foram prejudicadas, de alguma forma.

Mas, esses casos não são as piores. Muitas pessoas sofreram ameaças ou até mesmo perderam as vidas.

Em 2014, Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi morta após um site divulgar o retrato falado de uma suposta sequestradora de crianças no Guarujá. Uma multidão enfurecida a confundiu com a mulher do retrato e a torturou, por quase duas horas. Em seguida, a polícia descobriu que nunca houve nenhuma comprovação de que a sequestradora do retrato falado sequer existisse. Fabiane deixou marido e duas filhas em idade escolar. Era fake News.

Sete pessoas foram agredidas até a morte por multidões furiosas em maio de 2017 em Jharkhand, na Índia. Todas elas acusadas injustamente, através de correntes no Whattsapp, de sequestrar crianças. Nunca houve nenhum sequestro do tipo. Era fake News.

Em agosto de 2018, em Acatlán, México, um estudante e seu tio, foram ao centro da cidade para comprar materiais de construção. Acabaram detidos pela polícia após serem abordados por moradores locais que diziam que eles estavam envolvidos com o sequestro de crianças alardeado nas redes sociais. O boato de que dois integrantes da quadrilha estavam detidos na delegacia se espalhou rapidamente via WhatsApp e Facebook. Em pouco tempo, uma multidão se reuniu em frente à delegacia. Quando os dois foram liberados, a multidão os espancou e queimou vivos. Tudo foi transmitido em livestream. Nenhuma criança havia sido sequestrada. Era Fake News.

Este ano, Uma mulher chamada Arlyn B. Calos perdeu dois filhos, em um intervalo de 2 semanas, por ter acreditado em uma fake News contra a vacina do Sarampo. "Sinto raiva, porque eu não deveria ter dado ouvidos à TV e ao Facebook. Deveria ter protegido meus filhos, assim eles não teriam pegado sarampo", desabafou a filipina à BBC. E não se tem como mensurar quantas outras mães acreditaram nisso. Era fake News.

Em julho deste ano, a jovem Alinne Araújo, foi abandonada pelo noivo nas vésperas do casamento, por um aplicativo de celular. Ela então resolveu curtir a cerimonia sozinha e postou as fotos na internet. Uma multidão enviou mensagens e comentários nas redes sociais de Alinne, dizendo que a história era mentira, que ela queria ficar famosa, xingando-a e ofendendo de todas as formas. Ela se matou no dia seguinte e, então, os mesmos causadores da sua morte, se voltaram contra o ex noivo com o mesmo ódio que causou a morte de Alinne. Mais uma vítima da Fake News.

O cantor brasileiro Tiago Iorc deixou a mídia por um tempo para entrar em um processo criativo e descansar. Um grupo criou uma notícia falsa de que ele havia cometido suicídio e, quando a noticia viralizou, comemoraram e não desmentiram. Queriam apenas ter números. Era fake News.

Em setembro, o narrador Galvão Bueno sofreu diversas ameaças de morte porque divulgaram uma fake News sobre ele estar comemorando a derrota de um time de futebol na semana anterior.

Punições

Apenas 5 das quase 3 mil pessoas que, segundo a polícia, participaram do linchamento de Fabiane Maria de Jesus foram condenados. Quatro pessoas foram acusadas pelo assassinato e outras cinco por instigar o crime do tio e sobrinho no México. No caso da Índia, 20 pessoas identificadas pela polícia local como autoras do crime, foram presas por assassinato. Ninguém foi preso no caso de Arlyn B. Calo, Alinne, Tiago Iorc, Galvão Bueno.

A culpa é sua!

Repassar a foto de uma pessoa com uma frase engraçada, um história sem comprovação, não é um ato inocente. Cada vez que você compartilha uma informação sem checar a veracidade da mesma, você está alimentando o mercado da Fake News. Automaticamente, você é cumplice em toda e qualquer consequência desta disseminação.

Se uma pessoa perde o emprego por uma fofoca que você ajudou a divulgar você é cumplice. Se alguém se separa porque você achou engraçado compartilhar uma notícia falsa sobre um dos cônjuges, você é culpado. Se alguém morre por conta da disseminação de uma informação falsa que você ajudou a compartilhar, você tem sangue nas mãos.

Mães sofrendo pela perda dos filhos. Filhos chorando a morte dos pais. Desempregados passando dificuldade e sem conseguir recolocação. Empresas fechando. Divórcios, espancamentos... Tudo porque você achou que era uma boa ideia passar pra frente informações sem checar a procedência.

Como você consegue conviver com isso?

Seja mais empático com o outro. Se coloque no lugar dele.

Pense nisso.

Kássia Luana

Kássia Luana

Escritora e empresária, atua na área de comunicação há mais de 15 anos

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