Karenine Lídice

"Fomos ensinados que devemos ser como nossa família. E nos culpamos quando pensamos e agimos diferente"

Quem acompanha meu trabalho sabe que pra mim os dois pilares mais importantes para a mudança, o recomeço, são terapia e espiritualidade.

Minhas mentorandas são orientadas a procurar atendimento psicológico assim que possível para que, em um trabalho conjunto, possamos potencializar os resultados da busca por felicidade através do autoconhecimento e cura interior.

Por esta razão, nesta série de entrevistas, não poderia faltar uma profissional da área.

Convidei a psicóloga Karenine Lídice (CRP 03/9528) para esclarecer algumas dúvidas das minhas leitoras.

Leia e delicie-se com este papo super construtivo e transformador.

Kassia Luana (KL): Qual o papel do psicólogo?

Karenine: Vou tentar falar de maneira simples… O psicólogo clínico, no caso, tem, de maneira geral, a função de "ajudar" o paciente a encontrar as respostas que precisa para seguir sua vida. Muita gente acredita que vai chegar no consultório e encontrar as respostas, mas não podemos dar essa resposta... Porque na verdade não temos. Nós orientamos o paciente para que ele consiga alcançar a resposta que ele mesmo já tem, porém não consegue enxergar, devido a diversos fatores. Não lembro agora quem disse a seguinte frase: "é preciso sair da ilha para ver a ilha"... A gente vai no sentido de ajudar o paciente e enxergar a situação com outros olhos... Ajudamos ele a despertar conhecimentos que ele nem sabe que tem, muitas vezes.

KL: Na sua opinião, por que ainda há tantos preconceitos com a terapia?

Karenine: Porque é realmente difícil a gente se abrir com alguém que não conhecemos. Então é mais fácil falar que 'é coisa de doido' do que se permitir melhoria de qualidade de vida da maneira correta. Com o médico falamos sobre algo pontual e "resolvemos o problema". Então quando a pessoa imagina ficar, ás vezes por anos, falando sobre si mesmo com um profissional para obter resultados gradativos, criam-se muitas barreiras... E, acredito que também, ainda exista a relação que se faz ao transtorno mental grave, onde as pessoas pensam que estar em cuidado mental é estar com alguma doença grave e necessitar de medicações, ter surtos.... Enfim

KL: Existe idade ideal para procurar terapia?

Karenine: Não, porque não existe fórmula pronta. A terapia é indicada de acordo a necessidade do indivíduo…

KL: No meu curso, enfatizo sempre a importância de ter acompanhamento psicológico e de como o processo me ajudou a ser a pessoa que sou hoje. Comecei aos 29 e foi a melhor escolha que fiz. Pergunto sempre sobre idade porque muitas pessoas acreditam que já está tarde para procurar ajuda. Você já sentiu isso no seu trabalho?

Karenine: Sim. Principalmente com a população idosa. Ou por acreditar que não tem mais solução ou tempo... Ou por pensar que é besteira falar sobre si mesmo. Mas é importante que saibamos que sempre é tempo de investir em si mesmo! Se não estamos com a saúde mental "em dias", nada vai fluir bem... Acabamos ficando no automático, sobrevivendo, apenas. Se temos questões pendentes e não buscamos resolução, falando especificamente da psicoterapia, a pendência vai nos acompanhar onde for, por quanto tempo for necessário. Até que ela sinalize de alguma forma que é a hora de tratar, geralmente vem como somatização ou situações que parecem sempre se repetir em nossas vidas.

KL: Falando em termos prático: uma vida feliz depende muito de como você trabalha estas questões, correto?

Karenine: Sim. Como você lida com suas questões pessoais, como você lida com o outro e com você mesmo. Só abro um parênteses porque quando falamos "uma vida feliz", ainda existe o mito de que viveremos como nos filmes e novelas, a parte do felizes para sempre. Quando na verdade nossa felicidade é composta por momentos felizes... Como vc lida com os desafios é que pode proporcionar momentos felizes.

KL: Que maravilhoso! Uma das primeiras atividades da minha mentoria é pedir a minhas mentorandas que escrevam em um papel seus próprios conceitos: felicidade, sucesso, etc. É interessante como a maioria das pessoas nunca pensou sobre isso e realmente se baseiam nos filmes…

Karenine: A cultura cinematográfica enraizou em nossos ideais de felicidade uma felicidade inexistente, inalcançável. Por isso é tão frustrante muitas vezes quando paramos pra pensar nos problemas do dia a dia. São coisas simples, muitas vezes, mas que esperamos que não existam, porque esperamos uma vida de novela, o que faz com que, dentre outros fatores, muitas pessoas fiquem tão angustiadas e até mesmo depressivas, pois buscam uma vida que 'nunca' vão conseguir alcançar, pois buscam a perfeição.

KL: Vejo muitas mulheres que procuram psicólogo escondido do marido, do pai. A que você atribui isso?

Karenine: Pode ter mais de um motivo, claro... Cada pessoa tem uma questão particular. Mas de maneira geral atribuo ao preconceito por 'ser coisa de doido e eu não sou doida', ou pelo fato que esse pai ou esse marido não permite que essa mulher fale sobre a vida pessoal com outras pessoas. Então, expor a vida do casal e sua intimidade com uma pessoa "estranha", ainda que um profissional, pode ser motivo pra que este marido ou pai pensem que a mulher está lá para 'falar mal' dele... E isso gera muitos conflitos... Ou até mesmo a ideia de que, "se buscou psicóloga tem algo errado, se tem algo errado é culpa minha, mas não pode ser culpa minha porque faço tudo certo"... E por aí vai…

KL: Culpa... Friso sempre a importância de diferenciar culpa de responsabilidade. Qual sua visão sobre isso?

Karenine: A responsabilidade é mais racional... A culpa vem carregada de medo, angústia, tristeza…

KL: Lembro que, conforme a terapia foi caminhando, percebi o quanto repetia padrões familiares e me culpava por coisas que fiz ainda criança me "punindo", de diversas formas, na fase adulta, de maneira inconsciente. E isso é mais comum do que se imagina, não é?

Karenine: Sim! Com certeza. Todos nós passamos por isso. Reproduzimos padrões sem nos darmos conta do que estamos fazendo e acabamos obtendo os mesmos resultados e nos culpando sem nem ter certeza pelo quê. Fomos ensinados que devemos ser como nossa família, e nos culpamos quando pensamos e agimos diferente, como se não ter pensamentos ações iguais aos de nossas famílias, nos fizesse menos pertencentes a ela.

KL: Exatamente! Como reconhecer estes padrões?

Karenine: Se observando, se enxergando. Estamos acostumados a olhar o outro e não a nós mesmos. Quando dedicamos tempo a nos conhecermos, a aprender sobre nós mesmos, conseguimos perceber o quanto nossas ações fazem diferença em cada parte de nossa vida, e compreender os padrões que estamos seguindo. O que facilita também a mudança de padrão, uma vez que só posso mudar de verdade se sei o que estou mudando, o porque, e onde quero chegar.

KL: Antes de começar a terapia, via o psicólogo como um juiz. A ideia me apavorava. Vejo que muitas pessoas pensam assim também e por isso bato sempre na tecla da importância e seriedade do trabalho. Você já observou isso?

Karenine: Já sim. Ainda existe por algumas pessoas, uma ideia de que o psicólogo é alguém que sabe o que é certo e errado para a minha vida, e o que eu fizer que não for "aprovado por ele" ele vai julgar. Porém não existe a possibilidade de um profissional sério e competente julgar o que é certo e errado para a vida de um paciente. O que precisamos fazer é orientá-lo sempre a se conhecer, se encontrar, a ponto de não precisar ter medo de julgamento... uma vez que o que é bom pra mim pode não ser bom pra você. Cada um tem um contexto histórico e psíquico por trás de cada ação. Não posso olhar meu paciente pela minha ótica e julgá-lo como se tivesse tal direito. Se em algum momento o profissional que atendeu você fez julgamentos morais, ele está equivocado!

KL: Para finalizar, o que você diria para alguém que está nos lendo agora e ainda tem medo de procurar ajuda?

Karenine: Diria que procurar ajuda de um profissional de psicologia não faz de você alguém fraco ou incompetente. Buscar ajuda é sinal que você se preocupa com sua saúde mental, qualidade de vida, e sabe reconhecer que ninguém é sozinho no mundo. Todos precisamos de ajuda em algum momento. Sei que tentamos ser auto suficientes, mas quando quebramos a perna não buscamos um profissional especializado na área? Então por que não podemos buscar um profissional especializado na área quando temos angústias e questionamentos que não damos conta de resolver sozinhos? Buscar ajuda é um ato de amor próprio. Não precisa ter medo.

Kássia Luana

Kássia Luana

Escritora e empresária, atua na área de comunicação há mais de 15 anos

Compartilhe
Deixe um comentário

leia também

O Que As Mulheres Gostam

Lançado há quase 20 anos, considero o filme "O Que As Mulheres Gostam” muito atual. Assisti na época do lançamento e agora, com um olhar...

Natal 2020

Este ano o Natal foi diferente. Concretizei, sem esforço, sonhos que pairavam em minha mente há muito tempo. Eu e minha irmã mais nova organizamos...

Viola Davis

O Universo age de forma especial. Há anos reforço em mim, todos os dias, o meu propósito, motivo de estar aqui neste corpo, neste século, de...

Terapeuta Holística

Na faculdade de Comunicação eu tinha muita dificuldade de concentração, de realizar atividades... Apesar de amar o ofício e já praticar desde o terceiro semestre,...

Michele Marques

Conheci Michele Marques anos atrás. Ela cuida dos cabelos da minha amiga e mentora há anos e assim nos conhecemos. Afinidade à primeira vista! Temos...

início